2.6.06

criança

b

resististe muito ao parto. porque haverias de deixar as entranhas seguras da tua mãe? foi uma traição arrancarem-te assim e largarem-te neste mundo frio e intolerante. vinhas com os olhos muito abertos. os teus olhos.... os teus olhos, de um cinzento inquiridor, pareciam querer absorver o mundo todo nesse segundo. ao ano de idade ainda não andavas. parecia pesar já sobre as pernitas gordas o peso da diferença. o peso do dom.

não seguias as outras crianças em busca de grilos ou salamandras. não comias com elas os pães com manteiga e açúcar da ti belmira. preferias subir à figueira do quintal da courela e ficar a ouvir as rãs e os passarinhos esfaimados no ninho, seguir os círculos dos peneireiros por cima da tua cabeça. gostavas de correr pelos campos de trevo, passar a última casa da aldeia e o riacho dos moinhos e entrar no teu domínio. lá, onde ninguém te arrepiava os pelos dos braços nem fazia olhar o chão. imagino que vagueasses por aí ou talvez tivesses um sítio preferido. quem sabe não terias a tua colecção de tesouros preciosos...


não podes vir comigo, hoje vou voar

devia ter-te agarrado o pulso dourado pelo sol e dito o quanto eras uma criança única e especial.fiquei a ver-te subir essas escadas, a tentar esquecer o arrepio que senti na nuca.poderia ter sido diferente esse fim de tarde sanguíneo de novembro. poderia ter sido tudo diferente.


2 Comments:

Blogger Knuque Mo said...

apesar de o final do post ser triste, gostei muito e admito que com este idade, adulto e aparentemente esclarecido ainda voo nos meus sonhos. gostei muito

23:38  
Blogger Knuque Mo said...

admito que com esta idade e aparentemente esclarecido sobre o que é a vida... ainda sonho e voo

23:39  

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