21.8.09

agarrada ao peito com as duas mãos
quero estancar a ferida, mais aberta do que nunca
não vi ainda que nem sangra
um corpo vazio não sangra
mas sente.

no escuro. aninho-me mais ainda nesta casca-de-corpo frio
prestes a desistir da ilusão.

2.5.07

tão. tanto. tão pouco.

|b|


sou tão especial como qualquer outra pessoa. não sabias?

2.11.06

se a veia entope só nos resta aos dois a hemorragia*

|b|





saberás nalgum momento porque se me turvou o olhar-te? e porque foi que, numa só inspiração, este corpo se tornou desunido?
esse beijo desapaixonado gretou-me os lábios, esse adeus arremessado por trás da cabeça fez mossa. fui encontrar-me num sítio onde não há música e mesmo assim cantas.

empurra-me para fora de mim, faz morrer esta vontade de não ser.
faz acabar esta náusea mesmo que isso seja condenar-me!







* ornatos violeta | cão

13.10.06

chuva... não escorras pelas telhas - entra e inunda e afoga pensamentos

b

acto ou efeito de inundar; alagamento; enchente; invasão tumultuosa; exuberância; enchente de pessoas, animais, etc., que aparecem de repente. passar de fora para dentro; ir ou levar para o interior de; introduzir ou introduzir-se; alistar-se, ser do número de; compartilhar; começar; deixar-se possuir, deixar-se dominar; invadir; privar da respiração; abafar; asfixiar; submergir; impedir o desenvolvimento; dissimular; morrer ou suicidar-se por asfixia.- -se em pouca água: afligir-se com a mais leve coisa. acto ou faculdade de pensar; acto de inteligência; ideia; espírito; fantasia, imaginação; reflexão; meditação; máxima; sentença.




deixa a água vir. esta noite vai chover. deixa. vai correr água no teu telhado. vai arrastar essa angústia. vai empurrar as folhas mortas. não tenhas medo.

não tenhas medo. não tenhas... não...

não morres afogada em chuva. não mais do que nessa dúvida-de-ti....

essa semente que guardas debaixo da língua deita-a na terra molhada. é tempo. ajoelha-te aí, faz uma covinha com a mão e põe-na no centro. podias sentar-te aí por perto.

não queres saber o que nascerá de ti?



3.9.06

will our hearts grow older if we don't love forever? if we don't dream forever?*

|b|





quando acordei dentro do sonho todas as minhas pedras tinham sido levantadas. reviradas, remexidas, deslocadas.

todas as penas de passarinho que embuti no meu vazio de granito tinham sido descobertas.
todos os pequenos ossinhos que escondi atrás do muro tinham sido roubados.
todas as borboletas que, agora, vêm pousar-me na mão me são indiferentes. todas perderam a cor algures por entre as esquírolas com que me falaste. nenhuma borboleta é borboleta.

faltou-me o teu abraço ao acordar e o bom-dia escorregando entre os lábios sonolentos.
ficou-me o lodo do pântano nos pés. o vento de uma noite cruel.


só agora reparo que tenho o corpo coberto por mil teias-de-vergonha tecidas por essas palavras-de-aranha.







* the gift_ first chapter | vinyl

28.7.06

sigo apenas o pó no ar e as abelhas

vou levar o dedo comigo.
preciso dele para roubar maçãs do pomar. preciso dele para apanhar terra com as mãos e afastar os silvados das pernas.
para agarrar as amoras.





a ferida fica.

3.7.06

revelação de fim de tarde

|b|


tirei uma fotografia à alma. queria saber de que cor era e com que contornos se desenhava. tinha esperança de ver luzes e sombras ao vento. o resultado? vidro moído na chapa revelada.


diminuí a íris. aumentei-a.
juntei nitrato de prata. fiz ligas de cobre, estanho e até chumbo.
diluí o revelador.
prostrei-me. agitei-me.
voltei ao começo.

o resultado? vidro moído na chapa revelada. em todas.

peguei numa delas, queria aproximá-la do ouvido: cortei-me.
pingou sangue aquoso no chão.
secou.
a ansiedade tornou-se angústia, que me apertou a garganta e me fez chorar.

esperei...
esperei.
deixei de ouvir os soluços de dor.

cerrei os olhos para ver a fotografia.
finalmente via... sim! são pequenas mas estão vivas. têm cor! têm a ingenuidade e a sensibilidade determinada das flores-de-muro.

terás sido tu que as plantaste, com a tua voz, por entre os cacos estéreis de vidro?
foste.
sinto o teu cheiro.



21.6.06

não te pedi prisão


|b|



prometes que me regas todos os dias - antes do sol nascer e depois de mergulhar no mar. prometes que me contas paisagens de aromas campestres e searas de trigo. prometes que me bafejas a cor das papoilas (sempre quis ser uma papoila). prometes que me respiras o ar das montanhas e que me trazes o arrepio da vertigem. prometes que me proteges da geada.

prometes. e quem to pediu?

porque queres tanto que se me atrofiem e sequem e desistam as raízes?
não sou tua. se fosse sê-lo-ía apenas até apodrecer e morrer. todas as flores morrem.

não me enterres nesse vaso.
deixa-me pelo menos ficar aqui debaixo desta árvore velha.

10.6.06

cabelo na garganta










só porque me pediste

4.6.06

segue-me à luz / na escuridão não II

|b|


pois não foi. sei bem que não foi só tua a culpa. cada um usou a sua pá e cavou bem fundo este fosso que agora nos separa. um fosso. a última coisa que fizemos em conjunto.
sinto na boca a acre ironia.

fui mudando de pele como uma cobra na estação quente. devia ter deixado um rasto de escamas secas para saberes que a mudança tinha chegado de braço dado com a aridez. mas não. recolhi-as uma por uma. guardei-as, escondi-as, queimei-as para não sentires sequer o seu cheiro. tornei-me mestre do disfarce, da estática mutação. deixei de ser transparente (como fazias questão de me dizer). liquefiz tudo o que sentia para não poderes distinguir as minhas cores e texturas, os meus sons e sabores.
não te dei qualquer hipótese.


só não me podes culpar de querer sentir. o resto posso assinar sem ler.