21.6.06

não te pedi prisão


|b|



prometes que me regas todos os dias - antes do sol nascer e depois de mergulhar no mar. prometes que me contas paisagens de aromas campestres e searas de trigo. prometes que me bafejas a cor das papoilas (sempre quis ser uma papoila). prometes que me respiras o ar das montanhas e que me trazes o arrepio da vertigem. prometes que me proteges da geada.

prometes. e quem to pediu?

porque queres tanto que se me atrofiem e sequem e desistam as raízes?
não sou tua. se fosse sê-lo-ía apenas até apodrecer e morrer. todas as flores morrem.

não me enterres nesse vaso.
deixa-me pelo menos ficar aqui debaixo desta árvore velha.

10.6.06

cabelo na garganta










só porque me pediste

4.6.06

segue-me à luz / na escuridão não II

|b|


pois não foi. sei bem que não foi só tua a culpa. cada um usou a sua pá e cavou bem fundo este fosso que agora nos separa. um fosso. a última coisa que fizemos em conjunto.
sinto na boca a acre ironia.

fui mudando de pele como uma cobra na estação quente. devia ter deixado um rasto de escamas secas para saberes que a mudança tinha chegado de braço dado com a aridez. mas não. recolhi-as uma por uma. guardei-as, escondi-as, queimei-as para não sentires sequer o seu cheiro. tornei-me mestre do disfarce, da estática mutação. deixei de ser transparente (como fazias questão de me dizer). liquefiz tudo o que sentia para não poderes distinguir as minhas cores e texturas, os meus sons e sabores.
não te dei qualquer hipótese.


só não me podes culpar de querer sentir. o resto posso assinar sem ler.


2.6.06

criança

b

resististe muito ao parto. porque haverias de deixar as entranhas seguras da tua mãe? foi uma traição arrancarem-te assim e largarem-te neste mundo frio e intolerante. vinhas com os olhos muito abertos. os teus olhos.... os teus olhos, de um cinzento inquiridor, pareciam querer absorver o mundo todo nesse segundo. ao ano de idade ainda não andavas. parecia pesar já sobre as pernitas gordas o peso da diferença. o peso do dom.

não seguias as outras crianças em busca de grilos ou salamandras. não comias com elas os pães com manteiga e açúcar da ti belmira. preferias subir à figueira do quintal da courela e ficar a ouvir as rãs e os passarinhos esfaimados no ninho, seguir os círculos dos peneireiros por cima da tua cabeça. gostavas de correr pelos campos de trevo, passar a última casa da aldeia e o riacho dos moinhos e entrar no teu domínio. lá, onde ninguém te arrepiava os pelos dos braços nem fazia olhar o chão. imagino que vagueasses por aí ou talvez tivesses um sítio preferido. quem sabe não terias a tua colecção de tesouros preciosos...


não podes vir comigo, hoje vou voar

devia ter-te agarrado o pulso dourado pelo sol e dito o quanto eras uma criança única e especial.fiquei a ver-te subir essas escadas, a tentar esquecer o arrepio que senti na nuca.poderia ter sido diferente esse fim de tarde sanguíneo de novembro. poderia ter sido tudo diferente.


1.6.06

segue-me à luz / na escuridão não *

|b|

não podias ter andado sem ser na minha peugada? tinhas que ter seguido sempre no meu encalço... tinhas que me ter forçado a correr quando eu queria andar de braços abertos e girar até me doer a cabeça? se te afasto é apenas para te mostrar que os nossos trilhos já não se tocam, não seguem o mesmo cardeal. olha bem à volta e vê se ainda reconheces esta paisagem! vê se ainda me (re)conheces, a mim!

agarras a minha mão há tempo demais, com força demais, como se não soubesses andar sem esmagar os meus dedos. não quero pisar o cimento com os pés descalços, não quero correr entre as nossas cinzas.

quero parar junto a todos os pinheiros e sentir o cheiro doce da resina. quero demorar-me a sorver as gotas de chuva das plantas. quero respirar o brilho da lua. quero sentir os mosquitos a rasarem a minha pele suada. preciso de o fazer para sentir a matriz dos meus ossos! para sentir o repique do meu coração e o sangue que me pulsa nas artérias!

podes chamar-lhes caprichos e excentricidades. podes chamar-lhes o que quiseres. mas como me podes pedir agora que te siga pelo caminho que desenhaste sozinho, com régua e esquadro, para nós? foi isso que nunca entendeste....




* pluto_bom dia| manuel cruz